Os Órgãos de Emoção Social e o Covid-19
Existe uma diferença entre a realidade real e a realidade percepcionada por cada um. Muitas pessoas usam esta constatação para afirmarem que não existe uma realidade real – que a realidade é o que cada um vê – é o relativismo científico e moral. Mas o facto de que cada um de nós, sozinho, não conseguir percecionar a realidade real não significa que ela não exista. Pelo contrário, ela necessariamente existe.
Cada ser humano percebe apenas
uma pequena parte do mundo à sua volta. Contudo, de forma a agir com a máxima racionalidade
possível, as pessoas têm, de alguma forma, de tornar essa realidade parcial que
percebem num sistema coerente de pensamento – as pessoas têm que agir com base
num mínimo de lógica.
As pessoas usam então certos meios
para obterem informação, como a televisão, rádios, jornais e internet. Por outro
lado, parte destas fontes de informação trabalham nesta área de modo a obterem
o máximo rendimento possível, isto é, o seu objetivo é ter a máxima audiência
possível. As pessoas que trabalham nas televisões, rádios e jornais são pessoas
normais que têm que pagar a renda ou a prestação da casa, a alimentação, vestuário,
água, luz, a escola dos filhos, etc. Precisam, portanto, de ter um vencimento
mensal que lhes permita fazer face a estas despesas. É importante perceber que
este vencimento é extremamente importante para estas pessoas pois é o seu ganha-pão,
o seu meio de subsistência.
Dada a elevada concorrência no
ramo e a necessidade de ter audiências para ter um ganha-pão, a tendência dos
chamados “órgãos de comunicação social” é tornar a suposta informação que estão
a vender num produto facilmente consumível pela maior parte das pessoas. A
ideia parece ser que quanto mais emoção for veiculada nas “informações” mais
audiência vai ser captada. Daqui é apenas um passo até estes órgãos deixarem de
vender informação para passarem a vender emoções - embrulhadas numa aparência
de que são informação. Mesmo certos jornais que pretendiam ser órgãos mais
credíveis tendem a tornar-se em mais um tabloide.
Bom, existem alternativas na
internet para quem quiser realmente obter informação, mas requer um bocadinho
de trabalho por parte das pessoas – em vez de estarem enterrados no sofá a
engolir durante horas as inforemoções da televisão, é preciso saber
procurar em sites mais imparciais, mais rigorosos e não tão preocupados com o
volume de audiências. A literacia das pessoas é aqui, assim, muito importante.
Penso que quase ninguém sabia que em Portugal morrem em média 100 mil pessoas
por ano e entre 3 a 4 mil pessoas devido à gripe.
É bom de ver que estas 100 mil
pessoas que morrem por ano em Portugal (1% da população) são um verdadeiro maná
para os vendedores de inforemoções. Isto dá uma média de 275 mortes por
dia. Imagine-se o que uma câmara de televisão não pode fazer com 275 mortes por
dia – um verdadeiro apocalipse, armagedão, o verdadeiro pandemónio.
Portanto, a informação só pode
ser credível quando situada no contexto mais abrangente possível. Os órgãos de
comunicação social, ao deixarem deliberadamente de fora o contexto em que a
informação surge e focando-se apenas nos detalhes, criam deliberadamente o medo, o pânico, a gravidade, “o horror”. Desta forma pretende-se que o
espectador esteja o mais tempo possível agarrado ao ecrã, ao jornal ou ao
rádio.
Depois temos os políticos. Num
caso como o do covid-19 é claro que é sempre mais seguro, dada a dinâmica de
pandemónio iniciada pela comunicação social estar a ser atentamente seguida pela população em geral, optar pela solução de “fechar tudo”. Será que
estávamos à espera que o governo ou o presidente da república se fossem "atravessar" e depois terem que assumir a responsabilidade por um senhor de 85
anos que morreu devido ao covid-19? Impossível, meus caros, não há político que
aguente. Por isso, o melhor é ir na onda e alinhar pelo diapasão da comunicação
social. Fechar tudo é o mais seguro – os políticos vivem da popularidade, a
população está em pânico e exige “medidas”. Os políticos têm que tomar medidas.
Finalmente, temos uma parte substancial
da população que recebe sempre o seu ganha-pão independentemente de trabalhar
muito ou pouco ou até de nem trabalhar. Estas pessoas, que naturalmente, e
precisamente devido à falta de ligação entre o seu desempenho e o seu
vencimento, têm muito pouco incentivo
para trabalhar e devem, por isso, muitas delas, detestar aquilo que fazem, têm
todo o interesse em que o país feche de modo a que também elas fiquem em casa e
não tenham que fazer o sacrifício diário de se deslocarem para um emprego de que
não gostam ou até detestam.
Estas quatro dinâmicas sociais:
1. Orgãos de comunicação social
famintos por audiências estão sempre dispostos a criar uma aparência de caos
social, de apocalipse, de fim do mundo;
2. Um governo com poder praticamente
ilimitado e ao mesmo tempo dependente da popularidade;
3. Uma grande fatia da população
que recebe o seu vencimento independentemente de trabalhar ou não;
4. Uma população com um grau apreciável
de iliteracia científica.
Estas quatro dinâmicas sociais, dizia, inevitavelmente
tinham que conduzir à situação a que estamos a assistir.
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