Da Gratidão



Hoje, em particular no Ocidente materializado nos direitos do 'aqui e agora', o enfoque mediático está em tudo aquilo que não temos e, pior ainda, nos supostos culpados por essas falhas clamadas como imorais. Paz universal, abundância infinita, justiça proto-divina, igualdade na eira e liberdade no nabal, tudo valores preciosos que perseguimos e que teimamos em não conseguir alcançar. Quanto aos culpados, os necessários bodes expiatórios dos pecados resultantes da imperfeição humana? Quanto a estes a doutrina diverge: o grande capital, os empreendedores, os homens, os brancos, os bancos, o sistema, o capitalismo, etc., etc. Só mesmo uma sociedade tão focada no que se tem, em particular no que os vizinhos têm, pode gastar tanto tempo a reclamar, a enumerar culpados, a exigir grandes mudanças, esquecendo o pequeno pormenor de, apesar da almejada abundância infinita estar ainda por conquistar, viverem esses reclamantes na sociedade mais abundante de sempre. Do mesmo modo, apesar de não existir a quimera da paz universal, vive-se hoje, em particular no Ocidente, na sociedade que alguma vez mais próxima esteve desse ideal, uma sociedade tão pacífica que o suicídio é estatisticamente mais provável que o assassinato como causa de morte. Ora, considerando que a paz e a abundância de que usufruímos são as maiores de sempre, bem como o facto de este processo que ainda vivemos de criação de riqueza, e consequentemente de paz, ter sido o mais rápido, imparável e eficaz da história da humanidade, e sempre em crescendo, quiçá devamos nós, os grandes beneficiários de toda esta abundância e paz, perder um pouco menos de tempo a reclamar por aquilo que não temos e investir um pouco mais das nossas energias a agradecer por tudo aquilo que temos - e que nunca antes alguém teve tanto e tão bom como nós. Quando a maior parte de todos os seres humanos que algum dia existiram viveram e morreram em escassez e guerra, em miséria e doença, olharmos à nossa volta para uma sociedade onde, com um pouco de esforço e dedicação, a grande maioria das pessoas pode viver em paz, saúde e liberdade, não poderá esse olhar configurar outra coisa do que um motivo para uma enorme gratidão. Aliás, na sociedade de todos os direitos e de poucos ou nenhuns deveres, a começar por algum lado talvez deva mesmo ser por aqui: um dever tremendo de gratidão a todos os que nos antecedendo, com o seu sacrifício e o seu génio, nos legaram o que, até hoje, mais próximo do paraíso na Terra alcançámos. Gratidão e respeito pelo que fomos e pelo que somos. E que dessa gratidão e desse respeito nasça uma maior responsabilidade pela manutenção deste pequeno paraíso que os nossos pais construiram para nós.

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