A propósito do aumento dos números de infectados na Area Metropolitana de Lisboa



Se continuarem a testar sem critério clínico e até epidemiológico (pois como o vírus já está instalado na comunidade e bem adaptado, deixou de fazer sentido falar-se em cadeias de transmissão) vão sempre encontrar positivos.

Testar “clusters” de população em fábricas, hospitais ou empresas ou bairros ou seja aonde for de forma aleatória em pessoas maioritariamente assintomáticas (por conseguinte saudáveis até prova em contrário) nesta fase da progressão descendente da curva epidémica é um erro, levanta questões médico-legais, não traz mais valia analítica e só serve para perpetuar o medo, que começa a ser insane, além de hipotecar a nossa saúde pública, social e económica de forma preocupante.

Dos casos que são anunciados como positivos, neste momento só temos a percepção que a maioria não tem nem nunca teve e provavelmente nunca virá a ter sintomas e para isso basta analisar atentamente o gráfico constante do relatório da própria DGS e que anexo. 

Se repararem na última semana de testes quase não há sintomas reportados (barras laranja).

Não vem descrito o número exacto de casos sintomáticos ou sequer o índice de gravidade porque não há como.

Os testes Rt-PCR são muito sensíveis e por essa mesma razão têm muito ruído pois detectam, indiscriminadamente, o vírus íntegro (portanto potencialmente infectante e potencialmente gerador de doença) e as partículas virais que após o nosso sistema imunitário ter actuado ainda permanecem na orofaringe vários dias (senão semanas) mas porque desintegradas são incapazes de infectar ou de causar doença ou sequer de a transmitir.

Por isso existem tantos falsos positivos...

Portanto sem testes serológicos concomitantes esta política de testes errática não permite tirar quaisquer conclusões cientificamente úteis e não tem outra utilidade senão manter o estado de torpor em que a nossa sociedade se encontra há já demasiado tempo.

Seria sim interessante saber desses "clusters" de indivíduos sem sintomas quantos se mantêm assim.

A verdade é que desde há várias semanas se constata que as enfermarias Covid têm poucos doentes e muitas delas estão mesmo vazias e que as UCIs especialmente destinadas a doentes Covid estiveram sempre e em média a 25% da sua capacidade total albergando presentemente muito poucos pacientes críticos (no pico epidémico a taxa de ocupação máxima não ultrapassou os 40%).

Para o total de camas disponível para doentes Covid - cerca de 2100, estão, à data de hoje, ocupadas 471 (cerca de 23%).

Mesmo em Loures, onde receberam mais doentes ao longo da passada semana, muitos provenientes de lares, estão neste momento com as enfermarias Covid ocupadas em 40% e destes 20% são precisamente velhos já sem indicação para internamento hospitalar mas cujos lares já não os querem de volta com medo de vir a ter que fechar por não conseguirem garantir o isolamento necessário.

Em contrapartida a lotação das alas “limpas” hospitalares (cuidados intensivos incluídos) ocupadas com outros doentes de outras patologias, igualmente ou mais graves estão lotadas ou perto disso e a restante actividade assistencial a outras doenças continua a congelada ou a ser reabilitada a um ritmo demasiado lento.

Seria, isso sim, fundamental e já tarda, a elaboração de um rastreio aleatório (para ter valor predictivo) e bem estruturado de testes serológicos para aferir e inferir da imunidade da nossa população.

Esse sim um instrumento útil e construtivo para o regresso à normalidade que se deseja e já urge.

Acresce a tudo isto dois pontos: 

1 - O facto de as horas de sol estarem paulatinamente a aumentar no hemisfério norte e de o vírus não sobreviver íntegro e portanto potencialmente infectante quer natureza e quer na própria comunidade porque sensível aos raios UV
Mas tal como o “lixo” viral permanece em nós algum tempo mesmo depois de debelada a infecção, também as sequências virais permanecem na natureza.

E são estas sequências virais que embora não infectantes (porque desintegradas pelos raios UV) que mantém a capacidade de estimular a nossa imunidade.

É que a imunidade é um músculo e tem que ser estimulada senão definha.

Por isso o desconfinamento é tão importante e essencial sob pena de virmos a comprometer a nossa capacidade de lutar contra as inevitáveis infecções respiratórias (outras e muitas mais para além da Covid) que nos assolam todos os invernos.

2 - Estamos numa época do ano em que surgem outras doenças infecciosas. 

Se os vírus respiratórios perdem vigor outros patogénios ganham força como alguns agentes das meningites e por exemplo os da “febre da carraça”.

Esta obsessão no SARS-Cov2 pode retardar o diagnóstico destas afecções infectocontagiosas graves, que podem deixar sequelas e que são igualmente (se não mais) potencialmente letais.

Portanto cuidado porque a verdade é que a infecção SARS-Cov2 está controlada e a estabilidade do nosso Rt (0,80-1,04) desde dia 10 de Abril assim o diz, a mortalidade o confirma e a progressão dos internamentos dos doentes mais graves e críticos assim o atesta.

Existem mais doentes para serem vigiados e tratados, mais doenças infecciosas a ser consideradas e uma mortalidade excessiva por causas não-Covid, entre 01 de Março e 30 de Abril de 2020, estimada em cerca de 4 a 5 vezes superior à atribuída a Covid19 a merecer acurada análise e reflexão (Acta Médica Portuguesa de Maio 2020).

Médica Anestesista

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