Vícios públicos e virtudes pouco privadas



Resultado de imagem para a ordem geral do universo



Pela sua excepcionalidade de virtudes e defeitos, o ser humano é muito provavelmente o melhor exemplo do que é contra corrente em relação a qualquer eventual sentido numa "ordem" geral do universo.  Este contributo inicial apresentará um conjunto de pequenos textos ou mesmo frases que dão conta dessa evidência.

PASCAL, ALGREN E A CAMA

Para Blaise Pascal todos os males do mundo tinham origem no facto de sairmos diariamente da cama. Nelson Algren escritor e amante de Simone de Beauvoir reflectiu sobre a cama de um modo bem mais actual. Dizia-nos que nunca devemos dormir com alguém com problemas piores que os nossos. Máxima a universalizar.


O JULGAMENTO INEVITÁVEL DE CELINE

Ferdinand Celine foi um dos poucos humanos no século XX que interpelou sem condescendências e medo de represálias os seus semelhantes. Nunca aceitaremos um homem que despreze a sua espécie. Terá um lugar, mas não pode ser grande coisa, terá que estar errado. Claro que Celine tinha defeitos e alguns imperdoável. Odiava a humanidade na mesma medida em que conseguia amar pessoas concretas. Sem o conhecimento directo de alguém, não lhe interessava essa abstracção chamada homem.
Nunca lhe perdoaram as diatribes, nem o não querer ser um empregado, mas também tiveram que se render ao génio. Importa recordar a sua travessia da Alemanha em plena guerra onde acompanhou e cuidou de um grupo de crianças com síndroma de down. Não o fez para obter nada, nem esse ato desculpabiliza nada, apenas indica que se o fez é porque viu nessas crianças algo que não caracterizaria o homem habitual. Por essa altura a rádio livre de Londres definia-o como inimigo do homem. Um insulto pode ser o melhor e mais apropriado dos elogios. Estamos em boa companhia.
O olhar perturbado de Celine, inimigo do homem é um símbolo de uma mundo a desfazer-se. t


UM PROGRESSISTA

Helvetius filho de um médico de Luis XV estudou com os jesuítas, tornou-se conhecido pela sua obra Do Espírito e foi condenado pelo anti-clericalismo em carta apostólica do papa Clemente XII. Outras obras suas de relevo são o Verdadeiro sentido do sistema da natureza e Do homem, das faculdades intelectuais e de sua educação. Em traços gerais a sua obra tem a marca inconfundível do convívio com os enciclopedistas, e também defende uma concepção empirista sobre as coisas humanas. Alguns estudiosos da sua obra dizem que antecipou Freud. Para Helvetius os comportamentos humanos encontram a sua explicação principal na relação entre o interesse e o impulso na nossa busca de prazer e evitação da dor.
Bem-intencionado, debruçou-se sobre a educação, na qual deixou nome, acreditando que a boa educação consistia em fazer com que o interesse individual coincidisse com o interesse colectivo, combatendo as superstições e preconceitos religiosos. Todos nasceríamos iguais, sendo a educação o factor de distinção. Destacou-se também pelo modo como considerava a importância da psicologia e dos factores ambientais no comportamento humano.
Defendia que o homem sem paixões não tem motivo para agir, só viveríamos o tempo que amamos e que aniquilando os nossos desejos, destruímos a nossa mente. Um precursor do mundo contemporâneo. Restará saber onde se enquadra em tudo isto, o seu gosto desmedido pela flagelação. Vigiado pela polícia, esta chega a relatar: «Quando cumpre com a esposa o dever conjugal, uma criada de quarto faz-lhe durante o ato a mesma operação que ele manda que lhe façam quando se diverte em casa de outras mulheres».

JAMES JOYCE. UM GRANDE CONSERVADOR

Um homem interessante diz o dobro com metade das palavras, se for conservador tem fortes probabilidades de acertar sempre no alvo. James Joyce escreveu em 1912 o texto A influência Universal da literatura Renascentista. Neste texto reflecte sobre o que somos e naquilo que nos tornámos. Perdemos a alma: «Em três séculos uma capacidade criativa inesgotável, fortes paixões, o intenso desejo de sentir, uma curiosidade irrestrita e prolixa degeneraram num sensacionalismo frenético. Na verdade, pode-se dizer que o homem moderno tem uma epiderme ao invés de uma alma.»

Comentários